segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Entre fumaças e concreto

Lenna sente o chão embaixo de seus pés, um concreto tremido. Em seus lábios um gosto que ela não sentia há tempos, um gosto de cinzas, de ruínas. Em suas veias percorre dor, percorre vida, e ela se pergunta quantos segundos serão necessários para que se esqueça do tempo. Por falar em tempo, a chuva está molhando o concreto.

Sua vida se perde nas flores amarelas, nas luzes que ofuscam as estrelas. E ela sorri, um sorriso também amarelo, desbotad pela ironia da vida. A grande piada que ela declama aos quatro ventos. Seu grito é barrado pelo concreto de seu peito.

Náuseas, vertigens e plapitações. Tremidos internos e externos, ao lembrar da primeira frase. A vaidade escorre à sua frente, caindo em gotas, pelos bueiros.

Deseja um gole, mas já está embriagada de um tudo e um nada que a entorpecem. Por alguns instantes Lenna olha para o seu celular e percebe que esta é uma estranha conexão com o mundo externo, este mundo que hoje ela não quer enxergar, quer mesmo é ouvir seus ruídos internos, que, aliás, estão berrandp, um conjunto de sons tão altos que ela tenta distinguir o que significam.

Pessoas passam por Lenna, fazem um comentário ou outro, mas nada fica, nada é registrado, tudo é fumaça; e o retrato é um borrão, as pessoas são borrões de tinta fora do papel.

Se lembra de um sonho que não era seu, um sonho de escada rolante gigante, que não leva a nenhum lugar. Ela traga a hipocrisia e expele o que tenta digerir, em fumaça.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Insone

O silêncio externo é contrastado com as vozes dentro de mim, ensurdecedoras, berrantes, tão ameaçadoras. Sinto meu ritmo cardíaco acelerar de um modo intenso, daquela forma quando estamos correndo perigo. Olho no espelho e vejo a minha face pálida, minhas pupilas dilatadas e minhas mãos trêmulas. Sinto uma vontade imensa de correr, de me esquivar, mas realmente é difícil fugir de algo que está dentro de mim, a corrida seria exaustiva e fracassada.

Volto para a cama, o quarto escuro, novamente o silêncio externo e meus pés inquietantemente me mostram que o sono não irá me contemplar esta noite. Uma noite sem sonhos... uma noite sem uma vida inteira em algumas horas.

As horas passam, as horas não passam. Neste momento não sei ao certo se sinto o tempo passar lentamente ou apressadamente. Queria que o tempo congelasse para que eu me decidisse... ou simplesmente para não fazer nada, simplesmente, não fazer nada...

A cabeça dói, parece que os pensamentos ganharam densidade, estão fazendo uma forte pressão. O estômago parece ganhar vida própria dentro de mim. A respiração curta, o ar me falta, que ar é este que me falta?

Estou aqui falando de mim, falando de você, divagando sobre sensações que pertencem ao universo humano, mas que parecem, agora, exclusivamente minhas, e isso traz uma sensação de solitude. Essa sensação de solidão que é trazida pelos sentimentos e pensamentos, quando estes começam a me sufocar, pois não são compartilhados, são vivos, mas dentro, e não é possível ser acompanhada neles. Então, minha realidade interna, não compartilhada, permace só, e transbordando por entre os poros de meus devaneios.

Ouvi um sino, o barulho de uma idéia, agudo, cortante. Acho que a noite insone veio após os fantasmas que enfrentei em meus sonhos noite passada. Uma conversa com uma prezada pessoa me despertou para isto. Será que estou evitando o sono, para não esbarrar com o que emerge, de forma abrupta e devastadora?

Acho que agora eu posso dormir, ou talvez agora eu tenha acabado de acordar.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Reflexo

Miro o espelho e vejo a imagem,
Que agora refletida me arrepia.
Marcas na pele, não de passagem,
Irromperam e me tornam arredia.

E implodindo, a alma me arde,
Me queima, invade minha surdez.
Esperando que a dor me acorde,
E revele-me então em nudez.

Tal retrato desbotado me repulsa,
Anseios contidos me ruborizam.
A alergia a mim mesma expressa
Intenções internas que se paralisam.

Ora ilusões, ora serpentes me impelem,
Ao fundo-profundo que habita em mim.
Vozes que ora silenciosas, ora urram.
Dentro de mim uma fenda sem fim.

Reflexão

Em uma reflexão doída, me vem o meu nome. Eu o ouço, de tantas vozes distintas, em tantos ritmos, tons, e talvez mesmo, cores. Mas posso dizer que nunca me escuto ali, ele não me define. Será que por isso eu continuo sem um ponto de partida, que me norteie, ou que me dê suporte?

Sigo pensando, então, em diversos nomes que me caberiam, de alguma forma. Existem alguns nos quais gostaria de me encaixar, sublimes, intensos, puros... Mas não, esta não sou eu. E o nome que não me sai da cabeça é “inquietude”, devido a uma inquietação constante que existe dentro de mim, que me torna inconstante. Este algo pulsante, que dispara meu ritmo cardíaco, que me traz a sensação de sufocamento, e ao mesmo tempo me faz sentir como se estivesse caindo no vazio.

E existe este grande e profundo abismo dentro de mim, que permite, a alguns pensamentos, terem um grande espaço para dançar, sem ritmo, descompassados, embaralhados, tropeçando uns nos outros.

Em desarmonia, o passado, que deveria ter ficado lá atrás, se encontra aqui, mesclado com o meu presente, tomando, muitas vezes, o seu lugar. E eu, inquieta, vejo as realidades se chocando, e o hoje se torna um tanto danificado, machucado, pela pressão que o passado exerce em seu pequeno corpo. Este corpo febril, que denuncia os arranhões do ontem.

Vejo meu corpo no espelho, ele está menor, deve estar comprimindo mais e mais o que eu sinto, o que eu não devo, o que eu temo. Um conjunto de “eus” disformes. Estou mais magra, estou perdendo peso, mas o peso dentro de mim não parece menor. O que será que estou perdendo? Em que, meu corpo está se moldando?

Andei me pintando, me colorindo, seria uma tentativa de tirar este preto-e-branco que envolve minha vida externa, a minha superfície? Por dentro sou vermelho, laranja e azul marinho. Por que, então, estes tons de cinza, em minha pele?

O tempo vai passando, e as diversas divagações sobre ele não o fazem parar, e os segundos vão escorrendo por entre meus dedos, enquanto as lágrimas vão me cortando por dentro, a cada instante que passa, a cada instante que me corrói. As pessoas ao lado às vezes estão tão nítidas, com cores tão vibrantes, tão reais e absolutas, em outros momentos estão todas desfocadas, quase invisíveis, mas estão ali. Todas em seus tempos desencontrados; parece que vivemos, ou talvez eu viva, em um instante, um segundo talvez, distinto dos demais. Eis meu eterno desencontro.

Seguindo esta linha de raciocínio, será que meu corpo vive no mesmo instante de minha alma? Será que estou me desencontrando de mim mesma? E será que algum dia saberei as respostas?

Por que você gosta de mim, o que você enxerga que eu não consigo ver? Será que é algum reflexo seu? Pois em mim, o que vejo me angustia, o que sinto me machuca, e o que calo me destrói.